quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Agulha e linha

Pedaços de (h/e) stórias
(cons/des) troem os pensamentos
E a vida não é mais
do que uma
colcha de retalhos.

domingo, 30 de novembro de 2008

A CAIXA

Consegui guardar dentro dessa caixa
um pouco de lucidez.
Guardo como um último pertence,
fruto de anos de contemplação.
Lá fora...
Lá fora eu tranquei a loucura.
Com seus gritos estridentes
e seu cheiro de novo.
Novo, recém-saído da caixa.
E consigo vê-la na sua dança insinuante,
na sedução repentina de um instante fugaz.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

PECADO

- Perdoe-me, Padre, pois eu pequei.
A voz baixa e suave entrava pelo confessionário como se a luz se responsabilizasse por sua entrada quente, morna e delicada.
- Pode falar, filha.
Começou a denunciar-se, os olhos estavam cobertos por óculos escuros. Se estavam cerrados ou arregalados não se sabia.
Cabelos louros, quase ouro, lábios grossos e vermelhos, pele lisa e branca. Pura como a sociedade lhe fizera.
Andava calmamente, não como sempre. Precisava apenas de uma tarde diferente, sem namorado, família, trabalho ou amigos. Voltava-se mais pra si, o tempo necessário para o ego.
Foi ao cinema. Não sabia a que filme assistir, mas foi. Comprou o ingresso. Seção das 15, mas eram 13 e trinta. Então decide percorrer pelo salão do museu e de seus pensamentos. Os quadros não lhe interessavam, estavam longe de seu entendimento ou de sua vontade de entender algo naquele momento. Brincou com seu crucifixo enquanto caminhava, acariciava cristo, isso a entretia.
Olhou para o lado, quando estava se distraindo em desperceber as obras plásticas do famoso artista do Irã.
Encontrou um gesto gentil, quase obrigatório de uma atendente.
Cabelo curto, vermelho, óculos pequenos para não esconder a beleza do rosto.
Deveria ser de prache.
Passou por ela com um andar que atrai desconsertos a olhos desacostumados com o lampejo da carne. Andava como quem pedia... E gravava-se na memória.
Continuou a andar.
Pensa em coincidências e destino, aquela fraqueza dos seres humanos ao tentar ratificar o tesão.
Agora estão a se vigiar.
Informações são dadas a qualquer visitante que se interesse em obtê-las
A conversa acontece.
Arte, filosofia, sorriso, cinema, gesto delicado no cabelo, sociedade, umedecimento de lábios, câmeras, mãos na nuca, discrição.
Quando não, já estavam a percorrer uma escada circular que as levasse para baixo. Sem câmeras (olhos mecânicos) nem indiscrição.
Cabelos soltos, bocas vorazes, mordidas de leve, respiração forte, blusas abertas, seios sensíveis, pele lisa, pêlos ralos, cheiro louco, língua voraz, salgado gostoso, mordidas safadas, mãos ágeis, sussurros roucos, dente, batom, espelho, contentamento.
Volta a encontrar a escada e percorre o caminho de volta, sozinha, apenas com um sorriso safado na boca.
Entra no cinema. Fica de frente à tela. Luzes alternam entre falas distantes.
Nada importa.
- Fui animal confesso e sei que isso não devia ter acontecido.
Correm lágrimas de seu olho e sua fala é fragmentada.
- Perdoe-me... Padre, pois eu pequei.
Após o relato o padre ficou ali, ereto. Os pensamentos voavam. O padre não estava mais lá, só restou o homem.

domingo, 7 de setembro de 2008

VELHA AMIGA

Após muito tempo volto a te sentir
Como vai, AMARGURA ?
Aonde andavas, não tinha mais tempo pra mim?
Há já sei! Foi a felicidade não foi? Ela estava muito possessiva mesmo.
Nós demos um tempo, sabe.
Nada de definitivo, talvez nós voltemos.
Bem, estou esperando...
Enquanto isso, podemos botar o nosso papo em dia.

sábado, 30 de agosto de 2008

O contemplar do poeta

A realidade que explode em um segundo
O cata-vento que gira indiferente ao vento que o sopra na loucura eólica dos dias.
A tinta que toca a folha em branco desavisadamente.
O trovão que assusta a criança no meio da chuva.
A morte que nos toma a amada com seu beijo.
O vidro que quebra não se sabe de onde.
As risadas que surgem descompassadas pelo nervosismo.
O olho que teima em não chorar quando o orgulho vem e o censura.
A bolha de sabão que dança no ar e nos hipnotiza
O amigo que nos trai e não sente remorsos por você nunca descobrir

E as coisas visíveis e invisíveis que nos tocam, manipulam, quebram e vão embora.

sábado, 23 de agosto de 2008

BELA BOBA

... bela, lindamente boba ela ficara, tinha agora entre as mãos um retalho de pano e nele o cheiro do ser amado para acalmá-la em ausência de uma semana, que sentia pesadamente passar a cada segundo.

(FRAGMENTO DE UM CONTO OU CONTO JÁ FEITO)

domingo, 17 de agosto de 2008

MANDARIM DOURADO

A peleja havia começado há muito. Moleque e já encontrara logo um desafio: o Mandarim Dourado. Nome dado por sua imaginação, pois tal peixe nunca visto ao menos parecido. O que sabia dele, o que realmente sabia, é que tal danada criatura começou a caçoar dele por volta dos nove anos. O açude daí então deixara de ser aquele local de repouso , apesar das águas tranqüilas e a vegetação ao redor. E não vamos esquecer que temos sempre uma sinfonia de pássaros dos mais variados tipos. Mas o diabo do peixe fazia questão de lhe apoquentar. Já não sorria mais ao sentar no açude para pescar. Na verdade, quem sorria era as outras pessoas que também lá estavam. Amigos de infância que costumavam ver essa farra das águas.“Lá vem ele.” – gritavam – “O caçador do Mandarim Dourado”.Isso era falado de longe, meio que numa preparação para a sua chegada.

Seu Alzir ( Sim, por que ele agora já era um homem. Tinha barba na cara e filho no currículo. Este que o acompanhava para a aventura de férias consecutivas.) firmava um ritual em suas épocas de descanso, construídas há mais de trinta anos, sistematicamente no mês de julho (Isso por que teve de se adequar às férias do trabalho. Havia saído da sua terra para ir à cidade grande. Algo relacionado com as melhores oportunidades. Mas ele sempre voltava, assim como um encontro marcado. Já estava prestes a se aposentar e em seu raciocínio construía uma teoria o quanto diferente. Achava que aquele peixe não era mais aquele de sua infância e sim de outra geração. O que piorava a situação do pescador. Imaginava gerações inteiras de peixes que teriam se comprometido com o laço de suas tradições a lhe deixar louco ou quase isso. Ele não falava essas suposições para todos apenas para o seu filho. Menino este magrinho de uns doze anos, que sorria quando ele lhe contava algo do tipo. Achando que seria pensamento característicos de pessoas excêntricas. Eu disse excêntricas? A propósito, o menino gostava de ler, tinha umas palavras estranhas no seu vocabulário. Ele sorria ao escutar as estórias de seu velho pai por lembrar de um Guimarães de num sei das quantas e um conto que se não me engano seria a terceira margem do “açude”. Seu Alzir achava que essas estórias que o filho lia fossem coisas de gente sem ter o que fazer.) ia sempre na mesma bodega para comprar o anzol e a linha de náilon. Era a bodega de Seu Joaquim, que era por sinal pai do pescador, que não sabia nada nem queria saber, do Mandarim. A vara de pesca era pegue a muque nas varas de marmeleiro. Raspada cuidadosamente com uma peixeira virgem, que lhe garantia o respeito por entre possíveis brincadeiras em sua pescaria. A isca era feijão verde, a sua singularidade e reconhecimento do seu desafiante em um mar de anzóis dourados. E ao se aproximar da beira do açude seguia sempre a mesma trilha da barragem. Sentava no mesmo local e usava o mesmo chapéu de palha que o caracterizava.

Vamos sentar com ele agora.

Seu Alzir já está na décima fisgada e isca comida por Mandarim, aquele nojento, segundo o pescador. Nessa foi dado um soco muito forte esperado desde muito. O peixe sai da água e com a força sobe ao céu para acima da barragem, rente ao sol. O valente pescador corre para pegar o infeliz. Os amigos que lá pescavam ficaram estáticos. Mas nem sombra do Mandarim. O menino, que também correu acompanhando os passos do pai, depois de uma hora de procura comentou que o peixe deveria ter subido ao sol e se desfeito em luz. O pai retrucou dizendo que o menino lia demais e procurava de menos. Após três horas a dupla desistiu de procurar. Seu Alzir ficou muito triste. Não chorava porque homem não chora, mas podia se dar ao luxo de ficar triste. E voltou sem querer para o sítio e a sua rede. Olhava para a passagem da rodoviária enquanto se balançava e divagava em sonhos. Voltaria no outro ano de férias com a família? Sua esposa, seu filho e seu Mandarim. Grandes ressalvas.

No outro dia, o menino acordou cedo e após ler um pouco, foi passear pela barragem do açude. Não procurou nenhum peixe, pensava em sonhos. Mas naquela manhã ele viu algo brilhantemente diferente na barragem, dentro de um pneu velho cheio de água. Estava lá . O menino pegou-o como uma criança recém nascida, desceu pela ribanceira até o aceiro. Sorriu e soltou o peixe, dizendo: “Deu empate.”